Ideia e descrição do projecto por Carlos Henrich

"A loucura, objeto dos meus estudos,
era até agora uma ilha perdida no oceano da razão;
começo a suspeitar que é um continente."

(Machado de Assis, O Alienista)

 

 

 

 

 

 

Quando Sandro Resende convidou-me em 2007 para criar uma exposição no Pavilhão 28 do Hospital Psiquiátrico de Lisboa, fiquei electrizado pelo pensamento de tocar em linhas fronteiriças entre vários contextos. Como artista, eu sempre me achei na fronteira entre a sociedade e a individualidade, prática social e cultural, além das demarcações geográficas, históricas ou políticas.

Uma exposição de arte num local tão específico como o Hospital Psiquiátrico de Lisboa, o qual, imanentemente convida os cidadãos, o público, não só a reflectir sobre a arte exposta mas também a atravessar fronteiras questionando as definições do “normal“ e do “patológico“, inspirou a minha decisão em juntar este desafio específico do espaço com a experiência e práctica artística do projecto de Paris, “59 Rivoli”, o qual representa uma única e consequente maneira exemplar de “Arte Urbana”, de interacção entre artistas e o seu meio urbano. “59 Rivoli”, representando um projecto que depois de 10 anos em que “a arte ocupou” um espaço público, um edíficio em Paris, evoluiu para uma instituição de grande valor artístico, social e até turístico, como foi provado até pelo presidente da Câmara de Paris, como indispensável para a cena artistica parisiense.

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“É então que a imprensa se apodera do fenómeno “squart” – contracção de squat [espaço abandonado ilegalmente ocupado] e arte – e consegue, através da mediatização do fenómeno, a que o poder público se debruce sobre o dossier negligenciado há anos... Alguns responsáveis políticos tomam posição pública a favor dos artistas do squat, a Delegação dos Artistas Plásticos também apoia o projecto Rua de Rivoli 59, e um parecer sobre o “movimento” é encomendado ao Ministério da Cultura. Não obstante, a situação do squat da Rua de Rivoli continua precária e na iminência de despejo.
...Um relatório do Ministério da Cultura indica que com 40.000 visitantes por ano, o squat “Chez Robert électron libre” se tornou o terceiro centro de arte contemporânea mais visitado em Paris...
...mais tarde, a notícia explode durante uma entrevista do presidente Bertrand Delanoë para o suplemento cultural Figaroscope: a Câmara comprará o imóvel da Rua de Rivoli ao Estado francês com o objectivo de dar início, se as regras forem respeitadas, ao Project “L’essaim d’art”, ligeiramente modificado, proposto pelos artistas. O processo de legalização começou então. A fim de o dotar de existência legal e na esperança de assinar uma futura convenção de ocupação com a Câmara Municipal de Paris, o colectivo “Chez Robert éléctron libre” constitui-se como associação e passa a chamar-se “59 Rivoli”.
(Excerpt from www.59rivoli.org.)


Este “acto fronteiriço”, a ocupação ilegal de uma casa para a práctica artística e o conceito de estar aberto ao público durante todo o dia, foi acumulando a atenção do público e agiu de uma maneira que tornou-se parte da vida cultural de Paris. No lugar de ser uma ameaça tornou-se um projecto valioso, uma
demonstração do poder constructivo da arte urbana até para as instituições governamentais da cidade.

“É importante relacionar dois universos marginais distintos, o da doença mental e o das ocupações de habitações e ateliês. Estas duas realidades encontram-se em momentos de crise, o internamento psiquiátrico continua a ser amplamente repensado, e a ocupação de edifícios é hoje algo distante, associado aos anos 70, a nossa distância aos dois é relativa e estimulante.Esta exposição confronta-nos com duas situações de contra-cultura muito criativas no passado e ainda hoje absolutamente reais e estimulantes.”
(Pedro Gomes, artista participante).

Meu conceito em convidar os cinco aclamados artistas internacionais David Hardy “Le Suisse Marocain“, Francesco Bouhbal, Kit Brown, Gaspard Delanoë, Alexi Aliocha, principalmente dedicados à “Arte Urbana” nos seus trabalhos, que viveram e trabalham no “59 Rivoli” permanentemente desde o começo, apesar de famoso artista e poeta Jean-Jaques Lebel, para agora “ocuparem” o espaço do Pavilhão 28 por quatro semanas junto com artistas com abordagens semelhantes de Portugal, Pedro Gomes, Ivo Moreira, Nelson Cardoso e eu Carlos Henrich, não só trocarão e apresentarão obras de arte de artistas originais e de elevada experiência artistica, como também iniciar a discussão sobre o valor da prática artística para a sociedade e demonstrar a possibilidade de questionar fronteiras – entre o legal e o ilegal, o normal e o patológico, o comum e o especial, arte e mercado de arte, entre territórios, disciplinas e culturas.

“Os nossos ateliês estarem abertos ao público todos os dias, das 13 às 20h, é uma forma de inventar um novo lugar de encontro com a arte e os artistas. Um lugar diferente do museu (num museu só há obras acabadas). Um lugar diferente de uma galeria (onde só se pode encontrar os artistas no dia da inauguração e onde se incita o visitante a comprar). Um lugar onde o visitante pode ver os artistas em plena criação, um lugar onde o visitante pode ver obras que não estão terminadas e um lugar onde o visitante pode ver qual o ambiente no qual o artista trabalha. Isto permite dessacralizar a arte. E isto permite um acesso mais facilitado e menos sectário à arte. Um lugar não-musealizado, um lugar não-comercial. Um novo lugar para a arte.”
(Gaspard Delanoë, artista participante)

“...usual dia-a-dia da vida e eles ficam muito felizes que nós lhes mudamos o espírito por um segundo.”
(Suisse-Marocain, artista participante)

O confronto entre um grupo “59 Rivoli” acostumado a trabalhar com ateliers de porta aberta ao público, com um grupo de artistas de Lisboa que tem a oportunidade de experimentar esta forma de actuação artística num espaço local “Pavilhão 28” e no espaço de origem “59 Rivoli” representa um fundamental conceito desta exposição, que é, o de permitir e de convidar o público a visitar e a observar o processo de criação das planeadas quatro semanas .

“Vestígios de presenças de quem deve ter passado tempo entre estas paredes fechadas,
outras eu poderia cruzar durante a minha estadia em Lisboa,
ou talvez o retrato de Antonin Artaud...
Eu ainda não sei. Eu telefonarei !
Trabalho em andamento vivo..
Arte como uma “dévoilement” (in french...) “ revelação“ e catarse.
E para pacientes psiquiátricos como um modelo de comunicação
E expressão social comummente aceite.
Melhores cumprimentos,
Aliocha.”
(Aliocha, artista participante)

Além disso, um dos pacientes do projecto educacional artístico de Sandro Resende (mentor do Pavilhão 28) fará parte do grupo de artistas. A possibilidade de integrar o contacto com a realidade da psiquiatria e o trabalho em conjunto com pacientes nos trabalhos artisticos já está sendo planeada por alguns dos artistas participantes e acrescentará mais um importante aspecto ao conceito como:
Experiência artística visando uma aproximação à problemática dos distúrbios mentais:
- O que são os distúrbios mentais em relação à arte?
- O que representa a arte em relação aos distúrbios mentais?

“Ninguém deve ser excluído da arte. Porque a arte fala ao coração de cada um de nós e cada sensação única perante aquilo que vê, que ouve e que toca. É por isso que pensamos ser importante que a arte esteja presente em todo o lado: nos museus, mas também nas escolas, nas prisões, nos centros militares, nos hospitais, psiquiátricos, etc. A arte é uma plataforma que permite a partilha de ideias e sensações. Os artistas são muitas vezes considerados loucos. Ou como pessoas com problemas psiquiátricos. É por isso que expor num hospital psiquiátrico é para nós uma grande alegria. Porque é a ocasião que temos de nos dirigir a pessoas sobre as quais muitas vezes se tem um olhar muito redutor. Ficamos tocados de saber que o olhar dos pacientes pousará nas nossas obras.”
(Gaspard Delanoë, artista participante)

Para além do trabalho artistico em si no “Pavilhão 28” enquanto um atelier aberto de acesso ao público, alguns eventos especiais estão planeados como manifestações concentradas, apresentações e discussões, palestras sobre o grupo “59 Rivoli” e a ideia do “Musée Igor Balut”, sobre os desafios da arte urbana, como também projecção de filmes por artistas associados, em colaboração com a Galeria Zé dos Bois (ZDB), Galeria Lumiar Cité (espaço associado à Maumaus) e outras localizações que se prestem à apresentação pública..

Depois de ter instalado esta “Casa de Arte Aberta” durante um período em Lisboa, todos os artistas participantes estão convidados a criar um projecto criativo novamente na locação de Paris. A migração de
artistas é uma oportunidade de trocar e experimentar diferentes condições urbanas e culturais, a qual será de certeza significantivamente reflectida nos seus trabalhos.

Ao mesmo tempo a divulgação do projecto do “Pavilhão 28”, que aproveitando espaços não utilizados do Hospital de Psiquiatria já conquistou um espaço importante na cultura alternativa com exposições continuadas de artistas nacionais e estrangeiros, vem contribuindo para uma maior internacionalização entre artistas. Para Paris representa uma publicação altamente valiosa da arte actual Portuguesa, como também a apresentação dos artistas do “59 Rivoli” de Paris em Portugal é um importante contributo para a cena cultural e artística Portuguesa.

O interesse no nosso projecto por parte da cena artística de Hamburgo, que está actualmente muito envolvida no recente planeamento urbano da cidade e que levou à fundação de várias associações artísticas para intervenções urbanas como a “Frappant e.V.” ou a “Gaengeviertel e.V.”, foi a razão de convidarem a apresentar e a estender o projecto à Alemanha. Uma documentação do projecto incluindo alguns dos trabalhos artísticos serão apresentados lá, bem como uma conferência está planeada com a participação dos artistas Portugueses e Franceses encontrando artistas Alemães em Hamburgo.


Carlos HenricH

Nelson Cardoso

Ivo Moreia

Hardy

 

 

 

 

 

 

 

“MAS VOCÊ NÃO DEVERIA LEVAR ISSO TÃO A SÉRIO E ESSE É O PROBLEMA EM
PARIS ESTES DIAS
ARTE É OFICIAL, CARA, E NÃO É ACESSÍVEL A AMANTES DA ARTE NORMAIS
NÓS TEMOS AS PORTAS ABERTAS TODOS OS DIAS
PESSOAS DE TODOS OS NÍVEIS:
VADIOS, COMUNISTAS, TRABALHADORES, GENTE DOS SUBÚRBIOS, BURGUESES,
BOÉMIOS, ETC ENTRAM EM CASA E SENTEM A CRIATIVIDADE
SE ELES GOSTAM DA ARTE, NÃO É IMPORTANTE, MAS ELES ENTRAM EM CONTACTO
COM OS ARTISTAS, TROCAM O ESPÍRITO, E MUITAS VEZES, ESSES DOIS
MINUTOS DE VISITA NA NOSSA CASA FAZEM ELES RELAXAREM DO SEU STRESS
HABITUAL.”
David Hardy, Le Suisse Marocain

“O facto de haver um intercâmbio de artistas e um movimento de artistas entre
países diferentes é essencial no século XXI, à hora da globalização. É necessário que
nos confrontemos em permanências com as culturas do Outro, do Estrangeiro, do Diferente,
de forma a conhecê-lo melhor, a apreciá-lo e a afastar os Medos que alguns
políticos irresponsáveis estão sempre a tentar encorajar. A arte é uma das formas
mais universais que possuímos, enquanto seres humanos, de nos Encontrarmos.
A arte é um lugar de partilhas e onde existe a possibilidade sempre renovada de
questionarmos a nossa humanidade. Os projectos de partilha entre equipas artísticas
são a forma que se tornará a mais popular e natural no século XXI, século da “aldeia
global”.”
Gaspard Delanoë

“Enquanto director do Musée Igor Balut, (voici ce que je
compte) penso apresentar para a exposição:

- um falso Mondigliani
- três poemas falsos de Pessoa
- um falso Brueghel
- um falso urinol de Marcel Duchamp

Amaria igualmente que todos que, em Lisboa, tiverem
“falsos” que me emprestem para esta exposição.
(obrigado e lanço um apelo neste sentido…)

Cordialmente,
Gaspard Delanoë”

"Esta exposição confronta-nos com duas situações
de contra-cultura muito criativas no passado e ainda
hoje absolutamente reais e estimulantes.
As condições agora reunidas para trabalhar são
muito interessantes, pois estão fora da minha "zona
de conforto", será um trabalho individual executado
num espaço colectivo em confronto com a visita do
público. O grupo de artistas é muito diverso e surpreendente,
o normal é as afi nidades em exposições
colectivas serem óbvias e os trabalhos escolhidos
previamente.
São raras as possibilidades de um intercâmbio como
este, existe uma verdadeira troca de experiências, a
internacionalização não se faz sem paridade e vivência
efectiva da outra "geografi a". Vejo com grande agrado
e importância a deslocação a Paris, é uma oportunidade
rara e estimulante.
Será um momento de repensar o meu trabalho fora
do ateliê, tanto em Paris como em Lisboa."
Pedro Gomes



Carlos Henrich, Lisboa 2010.

 

“Arte Ocupa Lisboa, Paris…e também Hamburgo”, um projeto de Carlos Henrich.

Direção Artística: Carlos Henrich e co-curadoria Rajele Jain (Lisboa), Le Suisse Marocain (Paris), Gora Jain (Hamburg)

LISBOA Artistas:: Pedro Gomes (PT), Nelson Cardoso (BR), Ivo Moreira (PT), Carlos Henrich (BR - DE),
Mumtaz (PT), Rajele Jain (DE), Zambeze Almeida (MOZ-BR-PT), Teresa Milheiro (PT),
Ana Barros da Cruz (PT), Kazike (DE), Artur Moreira -O Paciente (PT), Veruscka Girio (BR).

PARIS Artistas: Gaki (JP) , Bruno Dumont (FR), Etzuko Kobyashi (JP), Slimane Hamadache (FR),
Gaspard Delanoë (FR), Musèe Igor Balut (FR) David Hardy “Le Suisse-Marocain” (FR), Alexis Charpentier”Aliocha” (FR), Francesco Bouhbal (FR), Victor Ede (FR).

HAMBURGO Artistas: Dirk Meinzer (DE), Marion WaltHer (DE), Mark MatHes (DE), JuditH Hamen (DE), Marta Lucas (DE), Janette Kratz (DE), AntHony Zornig (DE)